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Zazen

Uma forma de enquadrar a prática do shikantaza, ou “apenas sentar”, é como uma meditação sem objeto. Essa é uma definição baseada no que ela não é. A pessoa apenas se senta, sem se concentrar em nenhum objeto de atenção em particular, diferentemente da maioria das práticas de meditação tradicionais, Budistas e não Budistas, que envolvem um foco intencional num objeto particular. Esses objetos tradicionalmente incluem discos coloridos, chamas de velas, vários aspectos da respiração, recitações, sons do ambiente, sensações e posturas, imagens espirituais, mandalas (incluindo arranjos geométricos de tais figuras ou símbolos que as representem), histórias célebres ou frases dessas histórias. Algumas dessas técnicas de concentração estão no universo da tradição da prática de shikantaza ou se mesclaram ao shikantaza na experiência viva atual de seus praticantes.Mas a meditação sem objeto foca numa atenção límpida, sem-julgamento e panorâmica a toda miríade de fenômenos que surgem na experiência presente. Essa meditação sem objeto é algo latente, universalmente disponível aos seres com consciência, e foi expressa em diversos momentos  da 

 

 história.  Esse apenas sentar não é uma técnica ou prática de meditação ou qualquer outra coisa. “Apenas sentar” é um verbo, e não um nome, a atividade dinâmica de estar plenamente presente.
A experiência prática específica do shikantaza foi formulada na linhagem Soto Zen (Caodong em Chinês) pelo mestre chinês Hongzhi Zhengjue (1091-1157; Wanshi Shogaku, em japonês), e mais tarde elaborada pelo fundador da Soto japonesa, Eihei Dogen (1200-1253). Mas antes do registro dessa experiência, há indícios dessa prática em alguns dos mestres anteriores dessa tradição. Os mestres fundadores dessa linhagem remontam a Shitou Xiqian (700-790; Sekito Kisen, em japonês), duas gerações após o Sexto Patriarca chinês, e atravessam três gerações até Dongshan Liangjie (807-869; Tozan Ryokai, em japonês), que é reconhecido como o fundador da linhagem Caodong, ou Soto, na China. 
Hongzhi não usou o termo atual “apenas sentar”, que Dogen cita em lugar de seu próprio mestre da linhagem Soto, Tiantong Rujing (1163-1228; Tendo Nyojo, em japonês). Mas o Mosteiro Tiantong, onde Dogen estudou com Rujing em 1227, era o mesmo templo onde Hongzhi fora abade por quase 30 anos, até sua morte em 1157. Dogen refere-se a Hongzhi como um “Buda Ancestral” e frequentemente o cita, especialmente seus escritos poéticos sobre a experiência meditativa. Claramente a atenção meditativa sobre a qual Hongzhi escreve é intimamente relacionada à meditação de Dogen, apesar de Dogen desenvolver sua orientação dinâmica em seus próprios escritos sobre apenas sentar.

Em seus trabalhos em prosa, Hongzhi frequentemente usa metáforas da natureza para exprimir a natural simplicidade da experiência vivida de iluminação silenciosa ou apenas sentar. Um exemplo de escrito de Hongzhi que se vale da natureza é:

“Uma pessoa do Caminho fundamentalmente não se detém em nenhum lugar. As nuvens brancas são fascinadas pelas bases das montanhas verdes. A lua brilhante aprecia ser levada pela correnteza. As nuvens partem e as montanhas surgem. A lua nasce e a água é fria. Cada bocado do outono contém vasta interpenetração sem fronteiras”.

 


Hongzhi aqui destaca a liberdade dessa atenção e sua função. Como o curso da água e as nuvens, a mente pode mover-se suavemente para fluir em harmonia com seu ambiente. “Harmonize e reaja sem aflição e execute sem impedimento. Em todo lugar circule livremente, sem seguir condições, sem cair em classificações”.
Em várias passagens, Hongzhi apresenta instruções específicas sobre como manejar as percepções dos sentidos para que se permita a presença vital do apenas sentar. “Reaja desimpedidamente a cada partícula de poeira sem se associar a ela. A delicadeza de ver e ouvir transcendem as meras cores e sons.” Novamente, ele sugere: “Eventualmente, vigie os sons e monte nas cores enquanto você transcende o ouvir e ultrapassa o olhar”.  Isso não indica uma presença que abstrai o mundo ao redor. Mas, enquanto o praticante permanece atento, os fenômenos dos sentidos não se tornam objetos de apego ou objetos em si.
Outro aspecto da prática de Hongzhi é a ausência de objeto não apenas em termos de deixar de lado objetos de concentração, mas também no sentido de 

evitar qualquer meta ou objetivo específico e delimitado. Como Hongzhi diz ao final de “Iluminação Silenciosa”, “Transmita-a a todas as direções sem desejar ganhar algum crédito”. Essa iluminação serena, ou apenas sentar, não é uma técnica ou um meio de atingir algum estado superior de consciência ou algum estado particular do ser. Ao apenas sentar, a pessoa simplesmente encontra o presente imediato. Desejar alguma experiência brilhante ou algo mais que “isso” não passa de vaidade mundana e avidez. Novamente invocando a natureza vazia, Hongzhi diz:

 

“Aprecie inteiramente o vazio de todos os dharmas. 

Então todas as mentes estarão livres e toda poeira evapora na luminosidade original brilhando em todo lugar...

Puros e sem desejos, o vento nos pinheiros e a lua na água estão satisfeitos em seus elementos”.

 

 

Texto extraído do site www.sotozen.org.br

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